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Artigo bacana sobre a farinha no Brasil.

VV
editado setembro 2016 em Ingredientes e Equipamentos
Artigo:
http://www.forumdepizzas.net/t1767-farinha-italiana-tipo-00


Por comodidade, reproduzo aqui  (copy/paste) o artigo linkado acima. No link, um fórum, tem vários comentários.

O artigo é assinado por:
Chef de Cozinha e Pizzaiolo Carlos Horvatich Beffa & Pizzaiolo/Chef de Cozinha do Famiglia Beffa Pizzaria e Trattoria 
Henrique Cavazotti Coelho / Representante Comercial G.I. Metal Utensílios para profissionais da gastronomia

"Comida está na moda!

Chefes de cozinha viram celebridades, restaurantes famosos transformam-se em verdadeiras mecas de peregrinação de gourmet’s e curiosos, novos programas de televisão e livros sobre culinária são lançados no mercado todo dia... nunca se falou tanto em comida e, contraditoriamente, nunca se cozinhou tão pouco em casa como hoje... mas uma coisa não temos como negar, os clientes estão cada vez mais exigentes e mais informados (muitas vezes, infelizmente, mal informados). Esta é uma tendência, ou melhor, é um fato sem retorno e cabe aos profissionais do ramo adequar-se e atualizar-se para atender as expectativas cada vez maiores da sua clientela.

A pizza é um dos alimentos mais difundidos e populares do mundo, e no Brasil não é diferente, agora, você já se perguntou por que não vemos pizzarias e/ou pizzaiolos badalados como outros chef’s e restaurantes? Eu já! Aliás, esta é uma pergunta que me faço com bastante freqüência, e a única resposta que me convence é que o nível de qualidade das pizzas no Brasil está muito baixo para chamar a atenção da mídia especializada. Não?!... você não acredita que seja isto? Ok, vamos dar uma olhada no panorama da pizza a nossa volta.

Quantas vezes você comeu uma “pizza” e depois ficou com a sensação de ter engolido um tijolo, com o estomago pesado, com indigestão, azia e depois teve que tomar muita água para aplacar a sede? E aquelas “pizzas” entupidas de ingredientes gordurosos e de baixa qualidade feitas na base do “quanto mais melhor”?

A primeira coisa que se deveria aprender a respeito da pizza, ou melhor, a segunda coisa (a primeira deveria ser um pouco de historia e conceito) é como fazer uma boa massa e como conduzir sua fermentação/maturação para se obter um produto realmente de qualidade - tanto em termos de sabor, aroma, textura quanto para a sua digestão - mas para isso dependemos também de produtos de qualidade e, neste caso, falo especificamente da farinha de trigo.

Notei que na Itália a farinha para pizza é a chamada Tipo 00, e é comum na linguagem dos pizzaiolos eles usarem termos técnicos como P/L e W para definir determinadas características das farinhas. Já no Brasil, é muito difícil conseguir estas informações com os moinhos, parece até um segredo de Estado! Você liga para o moinho, pede as informações e o pessoal de laboratório te trata como se estivesse fazendo algum tipo de espionagem industrial, uma situação que seria até engraçada se não fosse absurda.

Muito bem, falamos de W e P/L e você deve estar se perguntando o que é isto, então será interessante um pouco de papo técnico.

A primeira coisa que devemos saber é que a farinha é composta de carboidratos, água, lipídios, sais minerais, vitaminas e vários tipos de proteínas (albumina, gluteina, prolamina e globulina) das quais a gluteina é a mais abundante e, digamos assim, a mais importante já que é ela a responsável pela estrutura da massa. Além das proteínas, as farinhas contêm naturalmente diversas enzimas (protease, amilase, lípase, lipossigenase, invertase e isomerase, maltase, zimase) que são catalisadores das reações químicas que acontecem no interior das células, e ao mesmo tempo favorecem as reações químicas que ocorrem no processo de fermentação e maturação da massa. 

E quanto ao W e P/L? Pois bem, são medidas obtidas com auxilio de um aparelho chamado Alveografo Chopin, e são as principais determinantes da qualidade da farinha.

W representa a força da farinha, assim uma farinha com W alto (acima de 350) gera uma massa forte com uma malha glutínica firme e resistente, enquanto uma farinha com W baixo (abaixo de 250) gera uma massa mais fraca com malha glutínica mais frágil. Isso determina, entre outras coisas, o tempo de fermentação/maturação da massa, sua capacidade de absorção de água e quanto tempo ela agüenta sem “cair”, após ter alcançado o auge da fermentação. Trabalhando, por exemplo, com valores de W em torno de 300, deve-se conduzir a uma maturação/fermentação mais longa, entre 6 e 8 horas, e uma vez preparada, a massa resiste de 3 a 4 dias na geladeira. Por esse motivo, na Itália os pizzaiolos fazem massa 2 a 3 vezes por semana, reduzindo assim o tempo gasto no preparo da massa, divisão, boleamento, limpeza, etc.., e reduzindo o desperdício, pois o que foi programado pra determinado dia, e não for consumido é mantido refrigerado para o dia seguinte...ah, e o mais importante, melhorando a qualidade final do produto.

P/L representa a relação de “P” que é a resistência da massa à deformação, ou seja, tenacidade ou elasticidade, e “L” que representa a extensibilidade. Isto determina se a farinha é muito extensível, resistente ou equilibrada (uma farinha equilibrada deve apresentar uma relação P/L em torno de 0,5/0,6), e isto implica diretamente sobre o trabalho do pizzaiolo, visto que com uma farinha equilibrada (e uma massa bem feita) o trabalho de abertura do disco e extremamente facilitado. A propósito disso, em pizzarias muito movimentadas da Itália, vi que os pizzaiolos abrem cerca de 5 a 7 discos de massa por minuto, já no Brasil é cerca 1 ou 2 por minuto! Novamente, essa agilidade é graças à qualidade da farinha, que possui um W alto e um P/L equilibrado.

Algumas farinhas feitas por moinhos brasileiros (as ditas especiais para pizza) conseguem ser mais extensíveis, porém, não por ter uma relação de P/L equilibrada de forma natural (as nossas farinhas normalmente tem um P/L entre 1,0 e 1,8 ), mas normalmente pela adição de uma “dose extra” de enzimas (no caso a protease, já presente naturalmente na farinha), ou em outros casos pela adição de amido de mandioca (que não contém glúten). Infelizmente essa “dose extra” age diretamente sobre a cadeia de glúten causando seu rompimento (ou reduz seu percentual), ou seja, comprometendo a qualidade ou reduzindo a quantidade da proteína que da estrutura à massa. Assim, teremos uma massa extensível, mas não graças a uma farinha equilibrada, e sim pelo rompimento, ou má formação, da rede de glúten, e como conseqüência, temos uma massa sem estrutura para suportar uma longa fermentação/maturação, fundamental para obtermos um produto de qualidade superior. Gera-se uma massa que não vai ter o necessário desenvolvimento de forno, obrigando, entre outras coisas, o trabalho diário de fazer a massa, e uma pesagem maior das bolas para obter-se um mínimo de estrutura na hora de abrir, montar e assar a pizza, ou seja... prejuízo... tanto para o negócio (financeiro) quanto para o cliente (qualidade).

Outro fator que se deve atentar, é para o percentual de glúten das farinhas. Enquanto as farinhas nacionais possuem um percentual de glúten de 6% a 9%, as farinhas italianas para pizza trabalham com percentuais que variam de 10% (as mais fracas) até 15% (as mais fortes, as chamadas Manitoba). Levando-se em conta uma equação bem simples, ou seja, quanto maior o percentual de glúten maior a absorção de água pela farinha, temos ai mais um outro fator de economia, já que para se obter uma bola de massa de mesmo peso, o pizzaiolo utilizará menos farinha quanto mais forte ela for.

Se considerarmos ainda os fatores econômicos, acabaremos por concluir que, infelizmente, pagamos caro pela nossa farinha. Na Itália, os moinhos vendem o quilo da Manitoba, classificada internacionalmente como a melhor farinha do mundo, por cerca 0,50 Euro, o que nos daria 1,30 reais/Kg no câmbio atual, e diga-se de passagem, um câmbio muito desfavorável. Pois bem, no Brasil as melhores farinhas para pizza são vendidas por cerca 1,50 reais/kg. Se considerarmos o papo técnico que tivemos, e concordarmos que as farinhas brasileiras são muito inferiores às farinhas italianas, só nos resta concluir que a relação custo/benefício da nossa farinha está péssima.

Se escolhêssemos outros parâmetros de comparação, por exemplo, se dolarizarmos as duas farinhas, concluiremos que, em termos globais, o nosso produto é vendido por um preço maior que a Manitoba (0,88 contra 0,76 dólar/kg)! Indo um pouco mais além, se considerarmos a paridade nominal dos preços entre os dois países, ou seja, um cafezinho na Itália custa 1,00 euro, e no Brasil 1,00 real, nossa melhor farinha teria que custar muito menos que 0,50 real/kg ou a Manitoba muito mais que 1,50 euro/kg! Obviamente não podemos deixar de lado o fato de que esse é o preço da Manitoba na Itália! Agora, no Brasil quanto custaria?! Considerando a atual política de comércio exterior brasileira, e a taxa de câmbio (sempre desfavorável!), o preço nacionalizado das farinhas italianas seria estimando em cerca de 1,90 a 2,30 reais/kg, dependendo da qualidade, ou seja, um diferencial de 0,40 a 0,80 real/kg e, neste caso, o custo/benefício da farinha brasileira parece ficar mais atraente, mas (volto a bater na tecla que originou este artigo) considerando o salto qualitativo que se obtêm utilizando farinhas italianas na confecção das pizzas, a maior rentabilidade/produtividade por kg (maior absorção de água), a redução de custos indiretos (tempo/agilização/programação dos trabalhos), a elevada qualidade do produto final, bem... a conclusão me parece bastante óbvia...

Nosso intuito com este artigo não é simplesmente criticar os moinhos brasileiros, até porque estamos cientes que as deficiências estão presentes em toda cadeia produtiva, desde o trigo de baixa qualidade que produzimos, passando pelo transporte deficiente e armazenamento inadequado - gerando falta de classificação, sujidades, umidade, bolor e germinação - até o processo final de moagem e empacotamento, que visa quase exclusivamente o mercado de panificação e, mesmo para este, produzindo poucas variedades e, infelizmente, de pouca qualidade.

No mundo da panificação costuma-se dizer que, “quem faz o pão não é a farinha, é o padeiro”. Esta afirmação contém um fundo de verdade (um grande profissional “se vira” com o que tem) e vale também para o mundo da pizza. Porém isto também não os isenta do fato que uma visão de mercado calcada exclusivamente no preço nos deixa “órfãos” e carentes de farinhas de melhor qualidade e, consequentemente, padeiros e pizzaiolos também melhores. 

Às vezes fico imaginando o que aconteceria se de repente as farinhas italianas estivessem disponíveis para as pizzarias (e padarias) brasileiras... seria necessário também investir em know how de utilização e correto emprego dos produtos, afinal, não basta termos em mãos ingredientes de qualidade, precisamos também aprimorar as técnicas de trabalho, investir na formação de mão de obra qualificada e também nos demais produtos e equipamentos necessários para se produzir uma Pizza com “P” maiúsculo e digna deste nome, senão vamos continuar comendo pizzas mal fermentadas/maturadas, e dá-lhe água para aplacar a sede e sal de fruta para azia! "
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